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Filho único… e feliz

No século XIX, o psicólogo e educador Granville Stanley Hall, também conhecido como um dos precursores da psicologia infantil, afirmou que os filhos únicos possuíam comportamento estranho, isolado e solitário. Dizia que o “filho único era uma doença em si mesmo”, indicando que o saudável seria a presença do irmão para fazer companhia ao mais velho. Esta concepção forçava, socialmente, para que muitos pais tivessem outros filhos, com medo que, sendo único, poderia ter algum comprometimento emocional e ser individualista. Uma ideia errônea e equivocada.

Estudos recentes revelam que o filho é influenciado mais pela postura e comportamento dos pais do que do irmão. Portanto, as crianças conseguem se desenvolver bem sozinhas ou na companhia de um irmão. Estes estereótipos sociais não condizem com a realidade, que demonstra que filhos únicos são saudáveis psicologicamente e que os amigos formados na escola, no clube, no local onde reside, exercem um papel importante para sua interação criança e suprem possíveis faltas e arestas afetivas.

O filho único, como não precisa dividir a atenção com o irmão, tende a ter uma autoestima maior, porque a atenção é dedicada a ele. Por conta disso, podem apresentar melhor desempenho escolar. Apresentam um linguajar mais refinado à medida que convive mais com os adultos. Os pais devem tomar cuidado para ser uma boa referência para esta criança, educando e ensinando-lhe a dividir, compartilhar seus brinquedos. Devem incentiva-lo a interagir com outras crianças. A concepção errônea de que filhos únicos são egoístas e individualistas são construídos à medida que os pais reforçam este comportamento e acentuam o conceito de exclusividade.

Esta dicotomia entre filhos “com” ou “sem” irmãos perde força e torna-se uma divisão desgastada. Nos dias de hoje, esta fragmentação toma outros rumos, haja vista que a tecnologia ocupa um espaço e exerce uma função importante na constituição das crianças.

Os famosos “amigos imaginários”, que muitos atribuem à solidão, não é uma constante. De acordo com pesquisas e estudos da professora de psicologia da Universidade do Oregon, Marjorie Taylor, 65% das crianças até sete anos possuem amigos imaginários, ou seja, esta fantasia infantil não tem maior incidência ao filho único, além de que, isso não é sinal de solidão ou alguma dificuldade por não ter um irmão. Ao contrário, crianças que possuem estes amigos imaginários são mais criativas, têm melhor vocabulário e não ficam facilmente entediadas, uma vez que sabem se divertir sozinhas, demonstrando desenvoltura, desinibição e sensibilidade.

Nos dias de hoje as próprias famílias já possuem uma constituição, valores e dinamismos diferentes daquelas de tempos atrás. Observa-se que os pais possuem uma participação mais próxima dos filhos e que o diálogo é uma condição para um convívio harmonioso e a serenidade da instituição familiar, aspectos imprescindíveis para o crescimento do filho. A instituição família sofreu transformações no que diz respeito à construção social e à comunicação entre as pessoas a compõem. Pais mais receptivos, equilibrados e que dão contorno ao filho precisam conter seus exageros e não transferir a ele seus medos e anseios, bem como expectativas e idealizações, sob o risco de sufocar a criança.

O tradicionalismo e o conservadorismo diminuíram e estas mudanças dão vazão a uma nova expressividade desta família, que é móvel, possui outras necessidades e não sobrevive através da rigidez de imposições e arbitrariedades. O autoritarismo é substituído pela autonomia, principalmente dos padrões sociais, como ter mais de um filho para que a criança tenha um desenvolvimento satisfatório.

A criança, tendo irmão ou não, precisa receber educação, ser acolhida e, assim, buscar referências, apoio e amparo. As dificuldades surgem quando esta criança não é atendida em suas necessidades, não reconhece seus moldes e fica sem sustentação. O desamparo e o estado de abandono são as mazelas que prejudicam o desenvolvimento, o crescimento da criança. Daí a importância de eleger a figura materna e paterna, que não precisam ser, necessariamente, os pais biológicos. É a criação e não a concepção que determina nossas bases psíquicas e sociais.

* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina – FASM.

 

 

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