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O materialismo do “sapatinho de cristal” e o desencanto da “meia-noite”

No tradicional conto “Cinderela”, a jovem afligida pela inveja advinda de suas irmãs e madrasta nos faz pensar sobre o quanto a sociedade, desde tempos remotos, é materialista e sobre o quanto um belo traje pode mudar a percepção de alguma pessoa.

A simplicidade de Cinderela não estava apenas nas roupas velhas que tinha sido obrigada a usar para dar conta de todos os afazeres domésticos que lhes eram impostos em sua casa, principalmente quando seu pai, um rico comerciante, ausentava-se, deixando-a sozinha com sua nova “família”. Não, a simplicidade de alguém não é medida pelo que veste, tampouco pelo que tem ou deixa de ter, dado que o simples de verdade age de modo espontâneo, sem complicações, e não “cria caso” por pouca coisa.
As características da simplicidade são ainda superiores, pois o simples também pode ser entendido como o elegante, discreto e sincero, aspectos que parecem compor o perfil da bela jovem apresentada no conto. Esses traços relacionados ao comportamento da moça a afastam de qualquer crítica, dado que, pelo que a história nos conta, foi o príncipe que, mesmo após momentos fantasiosos de uma noite de dança, só a reconheceu por ser ela a única jovem do reino em que um dos pés cabia no elegante  sapatinho de cristal.

Infelizmente, muitos estão agindo hoje em dia de modo muito semelhante ao príncipe apresentado no conto, que parece ter ficado tão enfeitiçado pelo brilho do cristal a ponto de este ter sido o único meio possível para encontrar a humilde jovem por quem se apaixonou após uma linda noite festiva.
Contudo, a “meia-noite” pode chegar à vida de qualquer pessoa em qualquer momento. Quando as luzes da saúde, da beleza e do vigor se apagarem, vamos precisar de príncipes com qualidades muito superiores àquelas do cavalheiro de Cinderela. Em qualquer momento, nossos encantos vão se apagar, e o único brilho que teremos não será o do “sapatinho de cristal”, podendo ser simbolizado aqui como um bom emprego, status social ou elevadas condições financeiras.
Depois da nossa “meia-noite”, o nosso brilho terá que ter sido suficiente para permanecer em nós, de modo que possamos ainda ser identificados por pessoas amigas que queiram, de fato, ficar ao nosso lado, a despeito de possíveis condições desfavoráveis.

Assim como as demais pessoas presentes naquele baile oferecido pelo rei, o príncipe também não foi capaz de reconhecer a linda moça sem os elegantes trajes da noite anterior. Num mundo cada vez mais materialista, muitas circunstâncias podem forçar alguém a “descer do salto” e, não somente por isso, é importante viver de um modo mais condizente com os frutos que desejamos, um dia, colher.

* Erika de Souza Bueno é Coordenadora Educacional da empresa Planeta Educação e Editora do Portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br); Professora e consultora de Língua Portuguesa pela Universidade Metodista de São Paulo; Articulista sobre assuntos de língua portuguesa, educação e família.

 

 

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