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Pais conquistam licença paternidade para adotantes solteiros

Buscando estreitar a convivência e a adaptação ao novo lar para pai e filho, dois adotantes solteiros acabam de ganhar o direito de gozar de tempo exclusivo com os primogênitos. Em Brasília, Otaviano ganhou 30 dias para finalmente curtir a chegada do filho de 9 anos. Esses ainda são casos raros no Brasil

Otaviano Batista sempre sonhou com a paternidade. Educar, cuidar e zelar de uma criança, convivendo e partilhando cada mudança ao longo de seu crescimento. Solteiro, o geógrafo tomou a decisão que mudaria sua vida: a de adotar, sozinho, seu primeiro filho. Com a chegada do jovem João Carlos, de 9 anos, em outubro do ano passado, a vida desse senhor de 51 anos mudou completamente. “Foi impossível não gostar de João Carlos logo de cara, uma criança sempre tão afetuosa e de grande alegria”, lembra. O entusiasmo tomou conta da vida dele – e claro, não deixou de trazer consigo grandes responsabilidades para o pai de primeira viagem.  “É um grande desafio para um pai solteiro passar a cuidar até das pequenas tarefas do dia a dia. Tudo se aprende durante a mudança, e é uma rotina corrida educar um menino, trabalhar e aprender a ser pai. Poder oferecer uma família de verdade para ele tornou-se minha prioridade”, afirma.

Buscando uma alternativa para melhorar a adaptação do filho no novo lar, Otaviano conquistou o direito à licença “paternidade” para adotante, concedida administrativamente pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), onde trabalha há 33 anos. Depois de dois meses de tentativas, a licença foi concedida: a partir desta segunda-feira (05/9), Otaviano passará 30 dias de total dedicação a João Carlos. “Tentarei fazer com que cada minuto seja direcionado a nossa convivência diária”, afirma emocionado. “Pretendo recuperar várias ausências, desde acompanhá-lo para um bom corte de cabelo, levá-lo pessoalmente ao médico. A convivência de um pai com seu filho, que até pouco tempo não se conheciam, é o mais importante para mim agora”, conta.

A licença “paternidade” concedida ao mais novo pai marca uma grande conquista para outros que, assim como Otaviano, não contam com apoio para cuidar do filho recém-adotado. Casos como esse ainda são raros no Brasil e as disputas, quando levadas à Justiça, podem levar vários meses. A psicóloga Soraya Pereira, presidente da ONG Aconchego e que há 15 anos trabalha com a adoção no Distrito Federal, afirma que a conquista, uma das primeiras no Distrito Federal, é de vital importância. “É o momento consagrado da paternidade desses pais. Eles estão lutando para dar um acolhimento digno e de filiação cuidadosa”, comenta.

Soraya Pereira explica que, para o homem solteiro que toma a decisão de adotar, a consciência no ato é maior. “Ele sabe do seu desejo e da batalha para realizá-lo. Ao mostrar a disponibilidade afetiva de estar ao lado de seus filhos, lutando por isso, a Justiça e a sociedade passam a ver uma verdadeira evolução: este novo papel desempenhado pelo pai na nova configuração da paternidade”, afirma a psicóloga.   

Para Rodrigo Machado, chefe da Procuradoria Jurídica do Confea, que ofereceu apoio jurídico ao caso, garantir que a criança tenha um período de acolhimento ao lado da nova família, seja ela configurada tanto por mãe quanto por pai solteiro, deveria ser dever do Estado, uma vez que cabe a ele oferecer possibilidades para o pleno desenvolvimento humanitário e social. “Quando falamos de uma adoção tardia, a prioridade de acolhimento é ainda maior. Quanto mais idade tiver a criança, mais delicada será a aproximação da nova família. A licença para o pai solteiro vai garantir que uma relação saudável se estabeleça entre pai e filho”, explica.

Desde junho Otaviano luta junto ao conselho profissional onde trabalha pelo direito de gozar da licença maternidade, garantida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) às mães que tiveram filhos naturalmente ou por adoção. O período previsto pela CLT é de 120 dias. “A princípio, ganhei o direito de ficar 120 dias ao lado do meu filho, mas a decisão foi alterada, e apenas 30 dias me foram concedidos. Mas pretendo recorrer”, explica Otaviano. Para o advogado Rodrigo Machado, Otaviano tem condições de garantir o prazo maior.

“Vou continuar lutando. Afinal, não há nada melhor do que estar do lado daquele que me faz tão feliz”, conta o pai. Apaixonado pela nova vida, Otaviano diz que não trocaria a rotina de paizão por nada. “É um novo aprendizado, uma nova forma de se viver. As dificuldades existem e vão sempre existir, assim como as renuncias, o cansaço, a preocupação. Mas apesar de qualquer coisa, tudo tem valido muito a pena. Só de vê-lo alegre, confortável e seguro, já me faz um bem enorme. Quero aproveitar ao máximo esse momento”, contou Otaviano.

Pelo direito de ser pai

O caso de Otaviano não é o primeiro aprovado recentemente. Em Recife, foi concedida a primeira licença adotante garantida administrativamente pela Justiça local. Um assessor técnico judiciário conquistou o direito de passar 180 dias ao lado do filho de quatro meses, recém-adotado. A decisão foi publicada no Diário da Justiça de Pernambuco em 22 de agosto. Desde o dia 25, o jovem pai – que preferiu não se identificar – está aproveitando a nova rotina de pai ao lado do primeiro filho.

“A possibilidade de amar um outro ser, dar-lhe uma família, sempre foi um sonho”, conta o pai. Depois de dois anos no cadastro para adoção e com comemorada chegada do filho recém-nascido, veio então a nova fase de negociações junto ao órgão público onde trabalha. “Foi uma conquista de grande valor para mim. Garantir que meu filho tenha todo cuidado que merece, acompanhando seus primeiros dias e necessidades. Até um simples resfriado de bebê deixa se ser uma angustia para o pai que precisa passar o dia no trabalho. Estou muito feliz”, comemora o servidor.

 SAIBA MAIS

A ONG Aconchego faz palestras sobre adoção, abertas à comunidade, em Brasília (DF), todo segundo sábado do mês, às 17 horas, e no terceiro sábado, às 9h, no Colégio Leonardo da Vinci – Asa Sul (703 Sul). A entrada é sempre gratuita.

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