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O Brasil precisa rever suas prioridades e dar lugar à infância

A morte trágica de Ana Clara, vítima de um incêndio provocado em ônibus na capital maranhense, deixa explícito que as crianças são mais vulneráveis a ataques e outras formas de violência.

Os fatos de violência ocorridos no Estado do Maranhão nesse inicio de ano chamaram a atenção de todo o país e fizeram que assuntos relacionados à segurança pública e direitos humanos viessem à tona e tomassem a primeira página dos jornais. A morte trágica de Ana Clara, vítima de um incêndio provocado em ônibus na capital maranhense, deixa explícito que as crianças são mais vulneráveis a ataques e outras formas de violência. Todos os dias lidam com situações violentas, em casa, na escola, nos trajetos que percorrem, na rua onde brincam; provavelmente, a sensação que têm é a de que nenhum lugar é seguro. Conviver diariamente com esse cenário nega às crianças um de seus direitos fundamentais, o de crescer em um ambiente protetor, onde possam se desenvolver integralmente.

De acordo com dados do UNICEF, onze adolescentes são assassinados todos os dias no Brasil, o país é um dos poucos na região onde a taxa de mortalidade por homicídios é mais alta do que por acidentes. “As crianças estão, atualmente, sobrevivendo à primeira infância para morrer violentamente durante a adolescência”. Apesar da insistência dos meios de comunicação em fazer acreditar que os adolescentes são “criminosos”, os dados comprovam que são mais vítimas que causadores da violência.

Outro aspecto importante a ser levado em conta é que, no Brasil, o uso da violência como método de disciplina é socialmente aceito; em suas próprias casas, centenas de crianças são vítimas silenciosas de quem na realidade deveria protegê-las. Embora a violência doméstica ocorra em todas as classes sociais, nos contextos de pobreza e exclusão social ela se torna ainda mais nefasta, pois se somam outros determinantes sociais que impedem o pleno desenvolvimento das crianças.

A escola é outro ambiente onde as crianças sofrem violência, seja pelos próprios educadores, gestores ou entre elas mesmas. O ambiente escolar tem se tornado cada vez mais um lugar inseguro, de medo, fazendo com que muitas crianças abandonem a escola.

Crescendo em contextos sociais tão complexos, e experimentando na própria pele a violência, tem-se como fruto uma sociedade violenta, onde os presídios não são suficientes para acolher todas as pessoas.

Prioridade absoluta

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças, da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados devem assegurar a integridade física e pessoal da infância, definindo altos padrões de proteção; o artigo 19 exige que os Estados adotem “todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas para proteger a criança contra toda forma de prejuízo ou abuso físico ou mental, descuido ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluído o abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, de um representante legal ou de qualquer outra pessoa que a mantenha sob sua responsabilidade”. Nossa legislação também estabelece que as crianças devem ser prioridade absoluta para o Estado.

A diminuição da violência só será real quando a sociedade assumir essa responsabilidade ética de colocar as crianças como prioridade absoluta nas políticas públicas; e, para que isso seja efetivo, é necessário estabelecer uma ação intersetorial, superando o modo tradicional de se pensar as políticas para a infância somente nas áreas de educação, saúde e assistência social. Urge que todos os setores – cultura, esporte, infraestrutura, desenvolvimento, segurança pública, etc. – unam forças para combater a violência por meio da prevenção, que é a melhor resposta quando se pensa em políticas eficazes e de grande alcance.

* Artigo publicado originalmente no portal Promenino | Fundação Telefônica –
**Flavio Debique, assessor da Primeira Infância da Plan International Brasil

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