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Trajetórias invisíveis: como trabalhar com adolescentes que cometem atos infracionais?

         Somos colocados diante de alguns desafios e por causa deles nos vemos responsáveis por projetos e pessoas como nunca ousáramos imaginar. Hoje, o trabalho que fazemos na Associação Horizontes com adolescentes autores de atos infracionais já é parte do dia-a-dia de quase todos os profissionais que atuam na entidade. É um trabalho sem receita, sujeito a dificuldades que colocam em questão convicções, competência e, a seu turno, a validade das ações.

          As diversas histórias com as quais nos deparamos diariamente ? seja durante os cursos de qualificação profissional que ministramos aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação nos centros da Fundação CASA da região metropolitana de São Paulo e litoral do Estado ou no projeto Trilhas, em que auxiliamos os adolescentes em sua reinserção social após o período de internação ? reforçam o entendimento de que a violência sofrida e praticada por esses jovens está intimamente relacionada à situação de vulnerabilidade social em que estão inseridos.

          Se quisermos fazer algo efetivo por esses meninos, precisamos nos aproximar de suas histórias e compreender seu contexto social. Isso não significa ser leniente e permissivo com o ato infracional, mas entender que muitos deles buscam nas atividades ilícitas a adrenalina e o alcance de um status social que lhes dê a chance de consumir objetos de desejo disponíveis aos jovens de outras classes sociais. Eles querem ser reconhecidos entre seus pares, com visibilidade perante a sociedade. As drogas também participam dessas vidas, gerando a ilusão de completude e de poder.

          Mas como “competir” com o assalto e outras práticas que trazem o acesso rápido aos bens desejados? Como competir com o traficante, que muitas vezes é membro da família? O que pode disparar o gatilho do “querer” em relação a outro tipo de vida? E aí nos confrontamos com mais um problema, pois os meninos que querem sair da “vida loka” se deparam com a frustração de uma escolaridade baixa e de um currículo que se resume a uma folha em branco, então se sentem incapazes de escrever uma nova história, alicerçada no universo da legalidade.

          Ao sair da internação, o adolescente acaba voltando para o mesmo ambiente e condições de antes, quando é fundamental que ele encontre caminhos para sua formação e inserção produtiva, de maneira a interferir no perverso círculo vicioso “ato infracional – medida socioeducativa – ato infracional” até o encarceramento no sistema prisional.

          Quanto mais a família, educadores e a sociedade se sentirem implicados em descobrir os potenciais desses adolescentes, maiores as chances de eles trilharem outras trajetórias que lhes permitam de fato construir um projeto de futuro.

          Precisamos entender que vivemos em um mesmo tempo e um mesmo mundo e que não conseguiremos fugir disso por muito tempo, pois de alguma forma essa realidade baterá à nossa porta. E decidimos não esperar.

 

(*) Heloisa de Souza Dantas é Psicóloga e Gerente de Projetos da Associação Horizontes e Rosana S. A. Rocha é Psicóloga, Fundadora e Superintendente de Projetos da Associação Horizontes (www.ah.org.br)

 

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