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Lindo dia!

Lindo dia

Dona Dessa era a costureira da cidade.

Aprendera ainda menina com a avó e se aperfeiçoara ao longo dos anos. Quando moça foi para a cidade grande, estudou técnicas modernas, trabalhou com grandes mestres e voltou. Escolheu usar seu talento onde dera os primeiros pontos.

Seu ateliê, aconchegante, charmoso, era todo decorado em tons pastéis, com quadros de grandes estilistas .

A sala de provas era em um lugar reservado e só era permitida a entrada da cliente e uma acompanhante no exato momento da prova. Aquele era um lugar que parecia mágico: todo espelhado, com um tapete felpudo e dois sofás confortáveis tinha bem no meio um tablado redondo que girava quase que imperceptivelmente quando Dona Dessa acionava o controle que ficava no bolso de seu avental.

Sua máquina de costuras ficava ao lado da janela. Sempre aberta, por ela a costureira via a rua, as pessoas que iam, vinham e voltavam. Por ela, ninguém era capaz de ver o que estava sendo costurado, não dava sequer para desconfiar o que era feito de maneira quase secreta.

Bem vestida e com os cabelos presos em um coque, Dona Dessa vivia arrumada como se para uma festa fosse. Estava com as unhas sempre pintadas de rosa claro e nos lábios cada dia um batom diferente, combinando com o vestido. Por cima dele, um avental muito bem passado e com vários bolsos.

A janela do ateliê se abria cedo e logo se escutava a máquina cantar, mas receber clientes só com hora marcada e uma de cada vez.

“Não precisa disso, Dona Dessa, posso ir na mesma hora que a Quirina for levar o tecido dela. Compramos juntas, escolhemos os modelos na mesma revista, não tem motivo para  irmos aí separadas.”

“Carminha minha flor, você, assim como a Quirina, é muito especial, por isso vai ser atendida sozinha, quero te dar toda a atenção.”

Com um argumento desses não tinha cliente que continuasse insistindo em ir acompanhada.

Delicadamente, Dona Dessa convencia a todos que durante o processo de criação os vestidos deveriam ficar “escondidos”, para surgirem apenas totalmente prontos, com o poder de encantar.

Quem também encantava era a costureira, com sua sabedoria vestida de silêncio.

Sua máquina de costura era considerada por muitos um posto de observação:

“Dona Dessa, bom dia. A senhora viu se a Juliana já foi para o trabalho?”

“Lindo dia, não é, Flavinha?”

“É sim, lindo. Mas a senhora viu se ela já foi?”

“Minha querida, estou tão ocupada com essa costura, não reparei.”

Daqui a pouco:

“Bom dia, Dona Dessa. A senhora viu o Joaquim por aqui hoje?”

“Lindo dia, não é Antônia?”

“É. Mas a senhora viu?”

“Minha querida, estou tão ocupada com essa costura, não reparei.”

E assim, por mais que as pessoas insistissem em saber do ir e vir alheio pela boca da costureira, quisessem descobrir como seria o próximo vestido da filha do prefeito ou saber o que faziam e falavam na sala de provas, Dona Dessa sempre elegante e discreta dizia:

“Lindo dia, não é minha querida? Lindo dia.”

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